quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Sylvia Plath


















PALAVRAS

Sylvia Plath

Golpes
De machado na madeira,
E os ecos!
Ecos que partem
A galope.
A seiva
Jorra como pranto, como
Água lutando
Para repor seu espelho
Sobre a rocha
Que cai e rola,
Crânio branco
Comido pelas ervas.
Anos depois, na estrada,
Encontro
Essas palavras secas e sem rédeas,
Bater de cascos incansável.
Enquanto do fundo do poço, estrelas fixas
Decidem uma vida.

(tradução de Ana Cristina César)









ARIEL

Sylvia Plath

Estancamento no escuro
E então o fluir azul e insubstancial
De montanha e distância.

Leoa do Senhor como nos unimos
Eixo de calcanhares e joelhos!... O sulco

Afunda e passa, irmão
Do arco tenso
Do pescoço que não consigo dobrar.

Sementes
De olhos negros lançam escuros
Anzóis...

Negro, doce sangue na boca,
Sombra,
Um outro vôo

Me arrasta pelo ar...
Coxas, pêlos;
Escamas e calcanhares.
Branca
Godiva, descasco
Mãos mortas, asperezas mortas.

E então
Ondulo como trigo, um brilho de mares.
O grito da criança

Escorre pela parede.
E eu
Sou a flexa,

O orvalho que voa,
Suicida, unido com o impulso
Dentro do olho

Vermelho, caldeirão da manhã.

(tradução de Ana Cândida Perez e Ana Cristina César)






 

A CHEGADA DA CAIXA DE ABELHAS



Sylvia Plath


Encomendei esta caixa de madeira
Clara, exata, quase um fardo para carregar.
Eu diria que é um ataúde de um anão ou
De um bebê quadrado
Não fosse o barulho ensurdecedor que dela escapa.

Está trancada, é perigosa.
Tenho de passar a noite com ela e
Não consigo me afastar.
Não tem janelas, não posso ver o que há dentro.
Apenas uma pequena grade e nenhuma saída.

Espio pela grade.
Está escuro, escuro.
Enxame de mãos africanas
Mínimas, encolhidas para exportação,
Negro em negro, escalando com fúria.

Como deixá-las sair?
É o barulho que mais me apavora,
As sílabas ininteligíveis.
São como uma turba romana,
Pequenas, insignificantes como indivíduos, mas meu deus, juntas!

Escuto esse latim furioso.
Não sou um César.
Simplesmente encomendei uma caixa de maníacos.
Podem ser devolvidos.
Podem morrer, não preciso alimentá-los, sou a dona.

Me pergunto se têm fome.
Me pergunto se me esqueceriam
Se eu abrisse as trancas e me afastasse e virasse árvore.
Há laburnos, colunatas louras,
Anáguas de cerejas.

Poderiam imediatamente ignorar-me.
No meu vestido lunar e véu funerário
Não sou uma fonte de mel.
Por que então recorrer a mim?
Amanhã serei Deus, o generoso – vou libertá-los.

A caixa é apenas temporária.


(tradução de Ana Cândida Perez e Ana Cristina César )

 



 

40 GRAUS DE FEBRE



Sylvia Plath


Pura? Que vem a ser isso?
As línguas do inferno
São baças, baças como as tríplices

Línguas do apático, gordo Cérbero
Que arqueja junto à entrada. Incapaz
De lamber limpamente

O febril tendão, o pecado, o pecado.
Crepita a chama.
O indelével aroma

De espevitada vela!
Amor, amor, escassa a fumaça
Rola de mim como a echarpe de Isadora, e temo

Que uma das bandas venha a prender-se na roda.
A amarela e morosa fumaça
Faz o seu próprio elemento. Não irá alto

Mas rolará em redor do globo
A asfixiar o idoso e o humilde,
O frágil

E delicado bebê no seu berço,
A lívida orquídea
Suspensa do seu jardim suspenso no ar,

Diabólico leopardo!
A radiação faz que ela embranqueça
E a extingue em uma hora.

Engordurar os corpos dos adúlteros
Tal qual as cinzas de Hiroshima e corroê-los.
O pecado. O pecado.

Querido, a noite inteira
Eu passei oscilando, morta, viva, morta, viva.
Os lençóis opressivos como beijos de um devasso.

Três dias. Três noites.
água de limão, canja
Aguada, enjoa-me.

Sou por demais pura para ti ou para alguém.
Teu corpo
Magoa-me como o mundo magoa Deus. Sou uma lanterna —

Minha cabeça uma lua
De papel japonês, minha pele de ouro laminado
Infinitamente delicada e infinitamente dispendiosa.

Não te assombra meu coração. E minha luz.
Eu sou, toda eu, uma enorme camélia
Esbraseada e a ir e vir, em rubros jorros.

Creio que vou subir,
Creio que posso ir bem alto —
As contas de metal ardente voam, e eu, amor, eu

Sou uma virgem pura
De acetileno
Acompanhada de rosas,

De beijos, de querubins,
Do que venham a ser essas coisas rosadas.
Não tu, nem ele

Não ele, nem ele
(Eu toda a dissolver-me, anágua de puta velha) —
Ao Paraíso.


(tradução de Afonso Félix de Souza)


 

ESPELHO
Sylvia Plath




Sou prata e exato. Eu não prejulgo.
O que vejo engulo de imediato
Tal qual é, sem me embaçar de amor ou desgosto.
Não sou cruel, tão somente veraz —
O olho de um deusinho, de quatro cantos.
O tempo todo reflito sobre a parede em frente.
É rosa, com manchas. Fitei-a tanto
Que a sinto parte de meu coração. Mas vacila.
Faces e escuridão insistem em nos separar.

Agora sou um lago. Uma mulher se inclina para mim,
Buscando em domínios meus o que realmente é.
Mas logo se volta para aqueles farsantes, o lustre e a lua.
Vejo suas costas e as reflito fielmente.
Ela me paga em choro e agitação de mãos.
Sou importante para ela. Ela vai e vem.
A cada manhã sua face reveza com a escuridão.
Em mim afogou uma menina, e em mim uma velha
Salta sobre ela dia após dia como um peixe horrendo.


(tradução de Vinicius Dantas)


 

OUTONO DE RÃ

 
Sylvia Plath




O verão envelhece, mãe impiedosa.
Os insetos vão escassos, esquálidos.
Em nossos lares palustres nós apenas
Coaxamos e definhamos.

As manhas se dissipam em sonolência.
O sol brilha pachorrento
Entre caniços ocos. As moscas não chegam a nós.
O charco nos repugna.

A geada cobre até aranhas. Obviamente
O deus da plenitude
Está morando longe daqui. Nosso povo rareia
Lamentavelmente.


(tradução de Jorge Wanderley)

 



 

PAPOULAS DE JULHO
Sylvia Plath




Ó papoulinhas pequenas flamas do inferno,
Então não fazem mal?

Vocês vibram. É impossível tocá-las.
Eu ponho as mãos entre as flamas. Nada me queima.

E me fatiga ficar a olhá-las
Assim vibrantes, enrugadas e rubras, como a pele de uma boca.

Uma boca sangrando.
Pequenas franjas sangrentas!

Há vapores que não posso tocar.
Onde estão os narcóticos, as repugnantes cápsulas?

Se eu pudesse sangrar, ou dormir !
Se minha boca pudesse unir-se a tal ferida !

Ou que seus licores filtrem-se em mim, nessa cápsula de vidro,
Entorpecendo e apaziguando.
Mas sem cor. Sem cor alguma.


( tradução de Afonso Félix de Souza )




Poemas copiados daqui




 


Sobre Sylvia Plath e sua poesia




  
Poeta se mata aos 30 anos e cria o mito Sylvia Plath


Euler de França Belém
ffeubel@uol.com.br


No caso de Sylvia Plath é difícil, senão impossível, dissociar vida e poesia, porque visceralmente ligadas, embora seu registro clássico, recôndito no seu modernismo radical, possa ser visto como “além da vida”, do registro de sua vida e de seus problemas. Por isso, a poética de Plath não pode ser reduzida ao seu suicídio (em 1963, aos 30 anos) e esquetes de ser humano (evito, propositadamente, o termo “mulher”). Não era tão sofisticada e culta quanto Hughes, mas, como poeta, e é o que importa, era superior a Hughes, que vai ser conhecido, para sempre, como “o marido de Sylvia Plath”. O poeta maior precisa ter certa cultura, mas não precisa ser necessariamente um erudito. Sem sensibilidade, criatividade — que não são palavras boas —, e uma certa irracionalidade racional, não se vai a lugar algum.

O leitor brasileiro está relativamente bem servido em termos da vida de Sylvia Plath, quer dizer, em termos de biografias. Falta traduzir toda a poesia. O livro Poemas (Editora Iluminuras) é um excelente apanhado da poesia de Sylvia Plath, com tradução (e ensaios) de Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça. Há os célebres Ariel (trecho final: “Orvalho que avança,/Suicida, e de uma vez se lança/Contra o olho”) e Lady Lazarus (Trecho inicial: “Tentei outra vez./A cada dez anos/Eu tramo tudo”). Transcrevo o poema Rival: “Se a lua sorrisse, teria a sua cara./Você também deixa a mesma impressão/De algo lindo, mas aniquilante./Ambos são peritos em roubar a luz alheia./Nela, a boca aberta se lamenta ao mundo; a sua é sincera,//E na primeira chance faz tudo virar pedra./Acordo num mausoléu; te vejo aqui,/Tamborilando na mesa de mármore, procurando cigarros,/Desconfiado como uma mulher, não tão nervoso assim,/E louco pra dizer algo irrespondível.//A lua, também, humilha seus súditos,/Mas de dia ela é ridícula./Suas reclamações, por outro lado,/Pousam na caixa do correio com regularidade encantadora,/Brancas e limpas, expansivas como monóxido de carbono.//Nem um dia se passa sem notícias suas,/Vadiando pela África, talvez, mas pensando em mim”. Um poema desses é para se recortar e guardar.

Para conhecer a vida atribulada de Sylvia Plath, há dois caminhos (em português). O livro mais completo, o que fornece todos os dados, cita poemas e investiga bem fundo, é Amarga Fama — Uma biografia de Sylvia Plath (Editora Rocco), de Anne Stevenson. O trabalho mais polêmico é A Mulher Calada — Sylvia Plath, Ted Hughes e Os Limites da Biografia (Companhia das Letras), de Janet Malcolm. Este é mais recente e incorpora todo o debate-polêmica sobre as relações conflituosas entre o casal Sylvia Plath e Ted Hughes.

Sylvia Plath era, essencialmente, poeta, mas escreveu prosa. Seu romance A Redoma de Vidro, publicado pela Globo e pela Record, é uma obra bem-feita, mas menor, se comparado à poesia. Há também Os Diários de Sylvia Plath (Globo) e o livro infantil O Terno Tanto Faz Como Tanto Fez (Rocco). Não vi (e certamente não verei) o filme, mas, se servir pelo menos para divulgar a poesia de Sylvia Plath, indo além das fronteiras de sua vida complexa (qual não é?), já vale a pena. Afinal, como notou Sylvia Plath no poema Auge, “A lua não tem nada que estar triste,/Espiando tudo de seu capuz de osso.//Ela já está acostumada a isso./Seu lado negro avança e draga”.

Hughes teve responsabilidade no suicídio de Sylvia Plath? Nenhuma, provavelmente. Nossos problemas, em geral, são criados e ampliados por nós mesmos. Mas é claro que precisamos da presença de terceiros para torná-los mais complexos, para reduzir e compartilhar a nossa (imensa) culpa. Quem se mata corta o próprio sofrimento e, às vezes, amplia o dos que ficam. Há um componente sadomasoquista em todo suicida e, na poeta, esse componente era muito acentuado.



 

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