sábado, 5 de setembro de 2009
Não acho mais a minha casa
Aquele pardieiro de cal branca num cerro de eucaliptos
que o verde dos campos influenciavam no somatório do lugarejo.
Os montes roçavam as ribeiras que suavam absorvendo e dando sal por entre pinhais de resina e teatros faustos de trigais.
Não oiço mais
a troça das lavadeiras
nos tanques que cheiravam a alfazema.
As línguas de sujidade entremeada
de amizade
sensualidade
e ódio.
Cada uma lavando a roupa já lavada
todas lavando a suja.
Eram mães de roupa!
II
Não acho mais a casa dos sonhos de criança
não sei a cor do telhado.
Apenas me lembro dos muros.
Na parede magnificente
a bicicleta do pai
que prefigurava o trono.
De patriarca e rei.
Aquele que circulava mais longe que os olhos alcançavam, numa experiência de navegador de caminhos caseiros.
Que exaltava os pés castos
sem biografia
de criança, pés de carne e pedra.
Olhos de libélula
que cintilavam mais rápido que o génio imaginava.
Olhos de fantasia
que cresciam como o evento dos batráquios.
Olhos de cor
que nem o sol cativava
tanta fulgência.
Cores de mil arco-íris que ressoavam para os ouvidos
onde vozeavam cantatas de grilos.
Que palhas subtis extraiam do buraco
e espalhavam ma mão aberta.
III
Escutar o tenor vestido de preto de gala
com antenas delicadas
sintonizadas com a natureza.
IV
Não escuto mais o assobio do pai
aquela mensagem
que não aturava ouvidos falsos.
Onda que ia além do som da rádio tradicional
e me alcançava no coveiro figadal dos sonhos que construía
com folhas de espiga
e barbas de milho.
Outros sons que ignorava
e alguma roupa branca que adorava ver secar
no sol de oiro.
Era a minha casa em tempos de criança.
Theófilo de Amarante
imagem: nuno chaves